quinta-feira, 13 de setembro de 2012

O Estatuto da juventude na ordem do dia



*Por Severine Macedo e Bruno Elias
 
O Estatuto da Juventude, em discussão na Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal, reúne na mesma lei uma inédita declaração de direitos da juventude brasileira e o marco de criação de um sistema nacional de políticas públicas para os jovens. O projeto de lei do Estatuto reforça, com a Emenda Constitucional nº 65, que incluiu a juventude na Constituição, e o Plano Nacional de Juventude, o marco legal da política pública de juventude no país e o tema como política de Estado.
Como contribuição ao debate sobre o projeto de lei do Estatuto da Juventude, a Secretaria Nacional de Juventude, da Secretaria-Geral da Presidência da República, formulou e reuniu um conjunto de sugestões ao texto do projeto, aproximando seu conteúdo das diretrizes da Política Nacional de Juventude e das resoluções das duas Conferências Nacionais de Juventude, realizadas em 2008 e 2011.
Estas sugestões, que também foram resultado de diversas reuniões e consultas às contribuições formuladas pelo Conselho Nacional de Juventude, por organizações e movimentos juvenis, juventudes partidárias e entidades do movimento estudantil, serão apresentadas em diálogo com as áreas de governo e os relatores do projeto nas Comissões do Senado.

Autonomia e emancipação da juventude

De acordo com a proposta, o Estatuto apontaria desde os seus primeiros artigos a“autonomia e emancipação dos jovens” como princípio orientador da lei. Ao considerar jovens as pessoas com idade entre 15 e 29 anos, o projeto reforça em relação aos jovens adolescentes a compreensão de que os direitos garantidos pelo Estatuto da Juventude devem ser interpretados de maneira extensiva e nunca em prejuízo ao previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Ou seja, reafirma a lei que garante a proteção integral da criança e do adolescente, mas contempla outro campo de direitos e políticas públicas, voltadas para a autonomia, participação e emancipação do jovem.

Nesse sentido, ao tratar dos princípios e diretrizes da política de juventude, a proposta incorpora questões importantes como a participação e criatividade do jovem no desenvolvimento do país; a promoção da intersetorialidade e do território como espaço de integração da política pública de juventude; a adoção de mecanismos que ampliem a gestão de informação e produção de conhecimento sobre juventude; a integração entre os jovens da América Latina e a cooperação internacional, entre outros.

Direitos da juventude e sistema nacional

A Constituição Federal, ao incluir a juventude no seu texto, definiu que a lei criaria um estatuto de direitos dos jovens. Na proposta em discussão pela Secretaria Nacional de Juventude, o Estatuto contemplaria os seguintes direitos universais e singulares da juventude: a) Direito à participação; b) Direito à educação; c) Direito à profissionalização, ao trabalho e à renda; d) Direito à diversidade e à igualdade; e) Direito à saúde; f) Direito à cultura, à comunicação e à liberdade de expressão; g) Direito ao desporto e ao lazer; h) Direito à sustentabilidade e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; i) Direito ao território e à mobilidade; j) Direito à segurança pública e ao acesso à justiça.

A participação social e política dos jovens fortalece a democracia brasileira e abre espaços para que a participação também seja reconhecida como um método de governo. No projeto de lei do Estatuto, o direito à participação é reconhecido como um direito fundamental do jovem, tanto na vida em sociedade quanto na promoção das políticas públicas, dos conselhos e dos órgãos governamentais de juventude.

A escola e a universidade, por sua vez, devem se aproximar da realidade do jovem. Tão importantes quanto o acesso à educação, a permanência, a gestão democrática e a qualidade do ensino são grandes desafios da juventude brasileira. No tema dodireito à educação, a Secretaria Nacional de Juventude reuniu sugestões que caminham no sentido de promover o direito do jovem à educação em todas as suas modalidades e o reconhecimento da diversidade da juventude nas políticas de acesso, assistência estudantil e participação democrática nas instâncias educacionais.

Mesmo com dificuldade, os jovens tentam conciliar seus estudos com uma inserção de qualidade no mundo do trabalho. No direito à profissionalização, ao trabalho e à renda, as sugestões da Secretaria ao Estatuto reforçam a importância do trabalho decente para a juventude, exercido em condições e com remuneração e proteção social adequados, e de ações de geração de emprego e renda, economia solidária, cooperativismo e desenvolvimento rural sustentável.

As múltiplas trajetórias dos jovens brasileiros demandam um olhar prioritário sobre a valorização da diversidade e o enfrentamento às desigualdades vivenciadas pela juventude. Ao reconhecer o direito à diversidade e à igualdade, o projeto de lei do Estatuto fortalece as políticas de defesa e promoção de direitos humanos e as políticas afirmativas.

A qualidade de vida do jovem também é vista como prioridade pelo Estatuto da Juventude. No direito à saúde, propõe-se que as especificidades da condição juvenil sejam consideradas no acesso ao Sistema Único de Saúde e que as políticas públicas devem integrar a prevenção, a promoção, a proteção e a recuperação da saúde dos jovens, com especial atenção às questões relacionadas à saúde sexual e reprodutiva e ao abuso de álcool, tabaco e outras drogas.

Outro direito reconhecido pelo projeto de lei, o direito à cultura, à comunicação e à liberdade de expressão, reconhece o potencial criativo dos jovens na produção, reelaboração e fruição dos bens culturais e regulamenta o benefício da meia-entrada, assegurando acesso aos espaços e eventos culturais, esportivos, de lazer e entretenimento mediante pagamento da metade do preço do ingresso cobrado.

Nesta proposta, a meia-entrada contemplaria, além de estudantes, os jovens com renda familiar per capita igual ou inferior a 1 (um) salário mínimo. Alcançando a juventude em situação de pobreza e vulnerabilidade, esta sugestão parte de uma mediação entre as propostas de universalização da meia-entrada para toda a juventude e a restrição do benefício apenas para a juventude que está na escola ou universidade.

A atual geração de jovens brasileiros vive em um país que se prepara para receber a Copa do Mundo e as Olimpíadas. A preparação do país para os jogos e o legado social desses grandes eventos esportivos devem mobilizar os jovens nos próximos anos em temas que o Estatuto também aborda no direito ao desporto e ao lazer, como as políticas públicas de incentivo à prática esportiva, a valorização do desporto educacional e de participação, e a garantia de equipamentos públicos e comunitários voltados à prática do esporte.

Atuando em redes e movimentos cada vez mais plurais, a participação da juventude é essencial na disputa de valores e do modelo de desenvolvimento. Ao dispor sobre o direito à sustentabilidade e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o projeto de lei do Estatuto trata do direito e do dever dos jovens com a sustentabilidade ambiental, assim como o estímulo à participação e conscientização da juventude com a preservação do meio ambiente.

Em seguida, a proposta inclui o direito ao território e à mobilidade, compreendendo políticas de habitação, circulação e equipamentos públicos voltados para a vivência dos jovens no campo e na cidade. A atual versão do projeto de Lei no Senado estabelece ainda a reserva de duas vagas gratuitas e duas passagens com desconto de 50% na rede de transporte interestadual aos jovens com renda igual ou inferior a 2 (dois) salários mínimos.

No território, a concentração da violência e dos homicídios sobre a população jovem, negra e com baixa escolaridade exige uma grande mobilização do governo e da sociedade para garantir o direito do jovem a viver. Nesse sentido, a proposta também sugere ao projeto de lei do Estatuto da Juventude a inclusão dodireito à segurança pública e ao acesso à justiça, integrando iniciativas e políticas públicas que combinem a prevenção e o enfrentamento à violência cometida contra os jovens.

Finalmente, o projeto de Lei do Estatuto cria o Sistema Nacional de Juventude, prevendo as competências e a cooperação entre União, Estados e Municípios nas políticas públicas de juventude, bem como a participação dos jovens e dos conselhos de juventude na sua formulação e acompanhamento. A regulamentação do Sistema, no entanto, será definida posteriormente com a participação dos jovens, dos gestores de juventude e dos movimentos e organizações juvenis.

Por reconhecer direitos e políticas públicas importantes para a inclusão e emancipação dos jovens, a aprovação do Estatuto da Juventude deve ser encarada como uma grande oportunidade para ampliar os direitos e a participação da juventude no desenvolvimento do país. O debate sobre o seu conteúdo e aprovação vai além da maior geração de jovens do Brasil. É um assunto de interesse de toda a sociedade.

Severine Macedo, Secretária Nacional de Juventude da Secretaria-Geral da Presidência da República

Bruno Elias, secretário-executivo do Conselho Nacional de Juventude

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Juventude, verdade e justiça



A instalação da Comissão da Verdade abre uma nova frente de luta para a juventude brasileira. Ao afirmar que “o Brasil e as novas gerações merecem a verdade”, a presidenta Dilma reforça uma dimensão fundamental desta luta, que é a importante participação dos jovens na efetivação do direito à memória, à verdade e à justiça no país.

O êxito dos trabalhos da comissão dependerá fundamentalmente da mobilização popular. A ampliação das lutas sociais pelo direito à verdade deve estimular a criação de comitês pela verdade e justiça nos estados, municípios e outras instâncias envolvidas com o tema. Deve apontar, ademais, para a retomada da luta pela punição dos agentes estatais e comandantes dos atos de tortura, assassinatos e desaparecimentos cometidos durante o período ditatorial.

Além disso, a juventude deve denunciar as tentativas de setores militares e veículos de comunicação que buscam descaracterizar o papel da Comissão, sugerindo a investigação dos “dois lados” e dos “crimes da esquerda”. Os trabalhos da comissão devem ser dotados de recursos e estrutura adequada para seu pleno funcionamento e focados sobre a violência praticada por agentes do Estado contra os que resistiram a ditadura civil-militar implantada no Brasil.

Enfrentar este tema é também denunciar a cultura de impunidade e violência herdada do período ditatorial e entranhada nas corporações policiais e militares ainda vigente no país, não raro vitimando os jovens com as armas do Estado. No Brasil, mais da metade da população carcerária é composta de jovens de 18 a 29 anos e de acordo com dados do Ministério da Saúde, do total de homicídios no país em 2010, 26.854 das vítimas eram jovens de 15 a 29 anos, ou seja, 53,5% do total. Destes, 74,6% eram negros.

A Comissão da Verdade chega com o atraso de anos de impunidade e como resultado da mobilização dos movimentos sociais, ativistas de direitos humanos, familiares de mortos e desaparecidos e também pela pressão e exigência de vários fóruns internacionais. Sua instalação – uma decisão acertada dos governos de Lula e Dilma - ocorre num contexto de mobilizações em vários estados do país, desde os “esculachos” contra os agentes da ditadura até manifestações em escolas, ruas e espaços públicos que envergonham a democracia homenageando ditadores e cúmplices do regime.

Uma das marcas dessas recentes mobilizações é a presença expressiva de jovens, sinalizando que para as novas gerações, o direito à memória e à verdade não se trata apenas de um olhar sobre o nosso passado, mas de uma condição necessária para que não esqueçamos o que aconteceu e que não se repitam as violências praticadas contra a liberdade e a democracia no presente e no futuro.

Afinal, são sobre os jovens as maiores tentativas de impor o esquecimento deste período histórico. Nascidos nos idos dos anos 1980, quando da transição pelo alto do regime ditatorial para a “nova república”, a atual geração de militantes sociais reconhece que lutar pelos direitos negados aos jovens que tombaram e foram vítimas da violência estatal de ontem, é garantir os direitos e a liberdade dos jovens de hoje.


Bruno Elias, coordenador de movimentos sociais da Juventude do PT

terça-feira, 17 de abril de 2012

Aos vacilantes, por Bertold Brecht

Você diz:
nossa causa vai mal.
As trevas aumentam. Nossas forças diminuem.

Depois de termos lutado tantos anos,
estamos numa situação pior do que a do começo.
E o inimigo está mais forte do que nunca.


(...)

Cometemos erros, não se pode negar.
Nosso efetivo está reduzido.
Nosso discurso está confuso; e uma parte das nossas palavras
foi distorcida pelo adversário até se tornar irreconhecível.

O que é que está errado no que nós dissemos?
Alguns pontos? Ou tudo?
Com quem devemos contar, ainda?

Somos apenas os restos de um naufrágio que o rio deixou
nas margens, abandonados,
antes de continuar sua viagem?

Estamos ultrapassados? Não compreendemos mais nada
e ninguém mais nos compreende?
Precisamos ter sorte?

É o que você pergunta. Mas não espere resposta
a não ser de você mesmo.


Bertolt Brecht
trad.: Leandro Konder