quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Uma nova política de uma nova geração


*Bruno Elias


“Vocês não nos deixam sonhar. Nós não os deixaremos dormir”



O Brasil vive um momento desafiador. Ao mesmo tempo em que é palco de conquistas sociais reconhecidas pelos seus e pelo mundo, possui a maior geração de jovens de sua história: somos aproximadamente 50 milhões de brasileiros, com idade entre 15 e 29 anos.

Por muito tempo, ao se falar de juventude, era comum o recurso ao saudosismo. Em oposição aos engajados da “geração de 68”, a nova geração de jovens seria apática, despolitizada e quando muito teria tido seu último suspiro político nas mobilizações estudantis do Fora Collor. Desconstituía-se, assim, não só a memória de ações reais de toda uma década, como a própria idéia de participação, organização e ação coletiva contemporânea.

A Geração Coca-Cola, cujos heróis “morreram de overdose” e perguntou “Que país é esse?”, lutou e participou ativamente das mudanças políticas dos anos seguintes. Nas eleições, votou em sua maioria pela mudança em 2002 e por sua continuidade em 2006 e 2010. De estatística das desigualdades sociais nas décadas perdidas passaram a ser alcançados pelas políticas sociais e pelo crescimento econômico dos últimos anos.

É com este país em mudança que uma nova geração de jovens entra em cena. Contrariando o senso comum de certos formadores de opinião e meios de comunicação, a estabilidade democrática e as novas tecnologias potencializaram novas formas de participação da juventude. Conectada ao mundo a partir da internet, percebemos nas redes sociais, na ação comunitária ou nas marchas libertárias dos últimos meses, uma atuação coletiva cada vez mais diversificada.

Batalhando no trabalho e nos estudos, a atual geração de jovens é otimista em relação ao país, mas quer muito mais. Vivendo uma fase da vida em que o indivíduo processa de maneira intensa seus conflitos, decisões e sua inserção na vida social, os jovens estão cada vez mais atraídos por novas bandeiras. Tendo parte da agenda de inclusão social atendida pelos avanços dos últimos anos, ganham força as reivindicações ligadas à liberdade, autonomia e experimentação.

Parte importante desta juventude já não se enxerga no jeito “tradicional” de fazer política. Contando com poucos representantes nos espaços de poder e atenta às denúncias de corrupção, deseja mais do que ações pontuais contra malfeitos com a coisa pública. O anseio é por mudanças mais profundas, algo que um grande debate público sobre a reforma política – para além dos gabinetes dos beneficiados pelo atual modelo - poderia mobilizar.

Entre os próprios partidos políticos, são poucos os que levam o tema juventude a sério. Quando não são tratados como meros tarefeiros, a visão dominante e instrumental encara a juventude como “celeiro de quadros”, a serem formados para o futuro. A compreensão do jovem como sujeito político do presente, capaz de participar da renovação do projeto político dos partidos, permanece como um grande desafio.

Um partido como o PT, por exemplo, não entende porque tem quase 30% da preferência do eleitorado, mas perde apoio nas novas gerações. O fato é que para grande parte dos jovens, o partido já é visto como igual aos demais partidos tradicionais. A crescente institucionalização, o refluxo do debate ideológico e a ausência de discurso e diálogo com as novas redes da juventude reforçam este estigma.

Querendo ou não, os partidos políticos serão chamados a fazer esse debate nos próximos anos. Nas próximas disputas eleitorais, a mera estratégia de comparar os governos petistas com os governos tucanos, apesar de importante, não será suficiente. Aos jovens será fundamental que os partidos apresentem uma agenda de conquistas e mudanças para o futuro, já que muitos pela idade não vivenciaram com tanta nitidez o contraste entre um e outro modo de governar.

Ao ser fundado, o PT promoveu um grande encontro entre a geração de jovens que lutou contra a ditadura e a jovem classe operária presente nas mobilizações da década de 1970 e 1980. É hora do PT surpreender mais uma vez, apostando nas suas novas gerações e na afirmação de um projeto democrático e popular que ganhe corações e mentes da juventude.


Bruno Elias (@_brunoelias) é estudante de Serviço Social da Universidade de Brasília e Coordenador de Relações Internacionais da Juventude do PT

domingo, 14 de agosto de 2011

INNER LONDON VIOLENCE PELA TV


“Inner London violence”, da banda skinhead Bad Manners, foi uma música que me veio à cabeça enquanto comecei a ver os riots em Londres tornando-se assunto cada vez mais frequente na TV. Aqui em Dublin, capital da República da Irlanda, mais especificamente do hostel imundo em que vivo no centro da cidade, lado norte, o “lado negro”* de Dublin, tudo que consigo ver pela TV aberta é uma dúzia de canais, sendo uma metade nacional e outra que transmite direto do Reino Unido.

A música se justifica pelo início dos tumultos exatamente na região de Tottenham, na Inner London (pela divisão que fazem entre a Inner e a Outer).

Mas o que pensar sobre as cenas em si?

O que primeiro me chamou a atenção, antes mesmo das animadas imagens de saque, incêndio e confrontos entre moradores da área e policiais foram as subsequentes reações dos conservadores do Estado vizinho. David Cameron é um saco. Um dos políticos com quem menos fui com a cara no decorrer de toda a minha vida (no Top 3 junto com George Bush Pai e o deputado federal sergipano Almeida Lima).

É o Reino Unido dos grandes tablóides recheados de sangue, sexo e fofoca. Inundado em um conservadorismo hermeticamente fechado, onde a figura do primeiro ministro inglês e o resto do mainstream político não abrem qualquer brecha à crítica das medidas de austeridade fiscal tomadas pela atual coalizão, muito bem evidenciadas pelos conflitos com trabalhadores do setor público também. Além disso é um lugar de vários reality shows policiais que dariam inveja a José Luiz Datena em termos de roteiro e produção.

Os riots se espalham pra além da cidade que outrora queimava de tédio, como diriam os punks do Clash, e foram pra Birmingham, Liverpool, Manchester , além de em menores focos em outras cidades da Inglaterra, e mesmo em Cardiff, capital do País de Gales (até a hora em que esse texto foi escrito). São lojas de celulares tomadas de assalto com Iphones e Blackberrys, novos requisitos para a circulaçao rápida de informação no mundo de hoje, levados aos montes; lojas Foot Locker com os sapatos da moda européia e americana sendo destruídas e saqueadas.

No twitter o #londonriots dava uma certa idéia do estado de nervos da cidade.

No quarto dia de tumultos, quando o mainstream inglês anuncia que começará a utilizar munição não letal pra enfrentar os “troublemakers” conversei com um amigo romeno**, ex sem-teto em Londres, que trabalha ao meu lado na função de signman, na qual despendo 3 horas do meu dia em pé ao relento. Ele me veio com uma outra ótica, vendo um lado mais cru, mais interno e extremamente estratégico dos acontecimentos. Disse-me que a maioria dos envolvidos estavam ali pensando nos equipamentos eletrônicos e outros tipos de stuff que iriam tirar das lojas. Concordei. “Que se confiam na força da multidao pra fazer o que vem fazendo”, falou em seguida. Por último ressaltou a limitação do poder policial britânico, que ele conhece bem, em enfrentar esse tipo de acontecimento inesperado, ao menos durante os primeiros dias. Também concordei. Assim como concordei que as polícias brasileira e romena teriam aparentemente menor dificuldade.

Perguntei então qual seria a razão daquela decisão estar sendo tomada exatamente naquele momento, “porque tem uma multidão pra ir junto” (obvio, estupido!). Mas continuei: “e por que se formou essa multidao?”. Chegamos aí à questão de agora.

Hoje na mesma 14 polegadas assisti gente da família do jovem morto em Tottenham dizer que as manifestações começaram pela rejeição de membros da comunidade ao abuso do poder policial, mas agora não sabia mais o que se passava, que algo mais movimentava aquele ódio em cidades tão distantes da Inner London onde Tottenham está situada.

De cara não tem muita semelhança com os movimentos do Oriente Médio e com os protestos em alguns países em crise da zona do Euro, como Grécia e Espanha. Talvez pela clara diferença de propósitos (ou mesmo pela aparente ausência deles nesse caso). Mas as condições econômicas são bastante parecidas pra se ter idéia, em diferentes padrões de desenvolvimento obviamente.
Entrevistas de jovens das vizinhanças mais “perigosas” captam exatamente críticas ao elevado desemprego e à depreciação das condições de vida, tornada clara pelo alto preço do que se quer comprar. Esse é um mundo em que ser feliz não é tão barato afinal de contas.

Falando em semelhança, lembro mesmo é dos carros queimados nas periferias francesas alguns anos atrás.

Mas não consigo imaginar que se tratem de acontecimentos sociais totalmente apartados dessa onda rebelde que tem brindado esse início de década. É como se mais pessoas estivessem ficando de saco cheio de viver onde elas vivem do jeito que elas vivem. Anima ver a placidez dos grandes líderes visivelmente abalada por coisas como a Wikileaks.

Do outro lado, o establishment personalisado nesse caso na figura de David Cameron não aparenta qualquer interesse em ceder um centímetro em seu estreito discurso de lei e ordem. Nada além de medidas repressivas e expressões de nojo compõem o discurso do primeiro ministro e agregados até o momento, sendo que já se falou até em exército na rua e interrupção emergencial dos serviços de internet (pra atingir em cheio os BlackBerrys dos rioters, parecido com o que acontece no Oriente Médio).

Há a clara intenção de construir a noção de “mindless” no imaginário do público sobre aqueles que têm controlado as ruas, pra isso também contam com a violência das imagens a favor na luta midiática. O discurso de Cameron passa a mensagem de que a repressão será utilizada até um ponto em que a sociedade inglesa se tornará uma espécie de “riot proof”. É a tentativa de dizer que os fatos causadores das preocupações não pertencem ao mundo civilizado. É esse também o tipo de hora em que as tais garantias constitucionais ocidentais mais incomodam. Vejamos até onde o poder político do Estado pode e deseja ir.

O governo se esquiva do debate de cunho social e econômico. Faz parte do plano. Na atual situação é melhor para Cameron evitar repetir a palavra fundamental do vocabulário de sua política interna: AUSTERIDADE!

Quanto mais cedo a onda incendiária terminar, melhor para o futuro político do tal Cameron e sua coalizão.

E qualquer problema é só ligar 999!

*sugiro o filme The Commitments
**agradecimentos a Demi Florin

Guilherme Andrade, 24, bacharel em Direito pela UFS, advogado, segurador de placas, músico, cineasta e goleiro em 11/08/2011.