domingo, 14 de agosto de 2011

INNER LONDON VIOLENCE PELA TV


“Inner London violence”, da banda skinhead Bad Manners, foi uma música que me veio à cabeça enquanto comecei a ver os riots em Londres tornando-se assunto cada vez mais frequente na TV. Aqui em Dublin, capital da República da Irlanda, mais especificamente do hostel imundo em que vivo no centro da cidade, lado norte, o “lado negro”* de Dublin, tudo que consigo ver pela TV aberta é uma dúzia de canais, sendo uma metade nacional e outra que transmite direto do Reino Unido.

A música se justifica pelo início dos tumultos exatamente na região de Tottenham, na Inner London (pela divisão que fazem entre a Inner e a Outer).

Mas o que pensar sobre as cenas em si?

O que primeiro me chamou a atenção, antes mesmo das animadas imagens de saque, incêndio e confrontos entre moradores da área e policiais foram as subsequentes reações dos conservadores do Estado vizinho. David Cameron é um saco. Um dos políticos com quem menos fui com a cara no decorrer de toda a minha vida (no Top 3 junto com George Bush Pai e o deputado federal sergipano Almeida Lima).

É o Reino Unido dos grandes tablóides recheados de sangue, sexo e fofoca. Inundado em um conservadorismo hermeticamente fechado, onde a figura do primeiro ministro inglês e o resto do mainstream político não abrem qualquer brecha à crítica das medidas de austeridade fiscal tomadas pela atual coalizão, muito bem evidenciadas pelos conflitos com trabalhadores do setor público também. Além disso é um lugar de vários reality shows policiais que dariam inveja a José Luiz Datena em termos de roteiro e produção.

Os riots se espalham pra além da cidade que outrora queimava de tédio, como diriam os punks do Clash, e foram pra Birmingham, Liverpool, Manchester , além de em menores focos em outras cidades da Inglaterra, e mesmo em Cardiff, capital do País de Gales (até a hora em que esse texto foi escrito). São lojas de celulares tomadas de assalto com Iphones e Blackberrys, novos requisitos para a circulaçao rápida de informação no mundo de hoje, levados aos montes; lojas Foot Locker com os sapatos da moda européia e americana sendo destruídas e saqueadas.

No twitter o #londonriots dava uma certa idéia do estado de nervos da cidade.

No quarto dia de tumultos, quando o mainstream inglês anuncia que começará a utilizar munição não letal pra enfrentar os “troublemakers” conversei com um amigo romeno**, ex sem-teto em Londres, que trabalha ao meu lado na função de signman, na qual despendo 3 horas do meu dia em pé ao relento. Ele me veio com uma outra ótica, vendo um lado mais cru, mais interno e extremamente estratégico dos acontecimentos. Disse-me que a maioria dos envolvidos estavam ali pensando nos equipamentos eletrônicos e outros tipos de stuff que iriam tirar das lojas. Concordei. “Que se confiam na força da multidao pra fazer o que vem fazendo”, falou em seguida. Por último ressaltou a limitação do poder policial britânico, que ele conhece bem, em enfrentar esse tipo de acontecimento inesperado, ao menos durante os primeiros dias. Também concordei. Assim como concordei que as polícias brasileira e romena teriam aparentemente menor dificuldade.

Perguntei então qual seria a razão daquela decisão estar sendo tomada exatamente naquele momento, “porque tem uma multidão pra ir junto” (obvio, estupido!). Mas continuei: “e por que se formou essa multidao?”. Chegamos aí à questão de agora.

Hoje na mesma 14 polegadas assisti gente da família do jovem morto em Tottenham dizer que as manifestações começaram pela rejeição de membros da comunidade ao abuso do poder policial, mas agora não sabia mais o que se passava, que algo mais movimentava aquele ódio em cidades tão distantes da Inner London onde Tottenham está situada.

De cara não tem muita semelhança com os movimentos do Oriente Médio e com os protestos em alguns países em crise da zona do Euro, como Grécia e Espanha. Talvez pela clara diferença de propósitos (ou mesmo pela aparente ausência deles nesse caso). Mas as condições econômicas são bastante parecidas pra se ter idéia, em diferentes padrões de desenvolvimento obviamente.
Entrevistas de jovens das vizinhanças mais “perigosas” captam exatamente críticas ao elevado desemprego e à depreciação das condições de vida, tornada clara pelo alto preço do que se quer comprar. Esse é um mundo em que ser feliz não é tão barato afinal de contas.

Falando em semelhança, lembro mesmo é dos carros queimados nas periferias francesas alguns anos atrás.

Mas não consigo imaginar que se tratem de acontecimentos sociais totalmente apartados dessa onda rebelde que tem brindado esse início de década. É como se mais pessoas estivessem ficando de saco cheio de viver onde elas vivem do jeito que elas vivem. Anima ver a placidez dos grandes líderes visivelmente abalada por coisas como a Wikileaks.

Do outro lado, o establishment personalisado nesse caso na figura de David Cameron não aparenta qualquer interesse em ceder um centímetro em seu estreito discurso de lei e ordem. Nada além de medidas repressivas e expressões de nojo compõem o discurso do primeiro ministro e agregados até o momento, sendo que já se falou até em exército na rua e interrupção emergencial dos serviços de internet (pra atingir em cheio os BlackBerrys dos rioters, parecido com o que acontece no Oriente Médio).

Há a clara intenção de construir a noção de “mindless” no imaginário do público sobre aqueles que têm controlado as ruas, pra isso também contam com a violência das imagens a favor na luta midiática. O discurso de Cameron passa a mensagem de que a repressão será utilizada até um ponto em que a sociedade inglesa se tornará uma espécie de “riot proof”. É a tentativa de dizer que os fatos causadores das preocupações não pertencem ao mundo civilizado. É esse também o tipo de hora em que as tais garantias constitucionais ocidentais mais incomodam. Vejamos até onde o poder político do Estado pode e deseja ir.

O governo se esquiva do debate de cunho social e econômico. Faz parte do plano. Na atual situação é melhor para Cameron evitar repetir a palavra fundamental do vocabulário de sua política interna: AUSTERIDADE!

Quanto mais cedo a onda incendiária terminar, melhor para o futuro político do tal Cameron e sua coalizão.

E qualquer problema é só ligar 999!

*sugiro o filme The Commitments
**agradecimentos a Demi Florin

Guilherme Andrade, 24, bacharel em Direito pela UFS, advogado, segurador de placas, músico, cineasta e goleiro em 11/08/2011.

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