sábado, 31 de agosto de 2013

Mais direitos e menos Estado Penal para a juventude

* Bruno Elias


A divulgação das imagens de tortura de adolescentes infratores na Fundação Casa (ex-Febem) compõe um retrato representativo da violência contra a juventude brasileira.
O governo de São Paulo, responsável pela instituição que violou os direitos dos adolescentes privados de liberdade, tem apoiado as propostas de redução da maioridade penal e apresentou em abril um projeto de lei que prevê o aumento do tempo de internação no sistema socioeducativo para até 8 (oito) anos.
Embora devamos continuar vigilantes e mobilizados contra a redução da maioridade penal, a dificuldade de viabilizar uma mudança constitucional transformou a proposta de aumento do tempo de internação dos adolescentes no cavalo de Tróia dos conservadores.
Por meio dela, procura-se ampliar o Estado Penal sobre a juventude, enquanto a concretização dos direitos sociais previstos pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) é relegada ao segundo plano no debate público. Deixar o adolescente mais tempo internado não só agrava o problema da violência como desvia a finalidade do sistema socioeducativo, que é exatamente de "disputar a trajetória" e incluir socialmente os adolescentes em conflito com a lei. Como fazer isso, internando-os durante TODA a adolescência e com este tipo de atendimento visto na Fundação Casa?
A despeito do sensacionalismo penal presente nos grandes meios de comunicação e no Congresso Nacional, a violência envolve majoritariamente o adolescente na condição de vítima e não de agente. São os adolescentes e jovens - particularmente os negros e pobres - que têm engrossado a inaceitável estatística de mais de 20 mil jovens morrendo anualmente por homicídio no Brasil.
Recordemos que até as manifestações de junho, a pauta de juventude patrocinada pelos setores conservadores avançava com toda a força: redução da idade penal, aumento do tempo de internação, toque de recolher nas comunidades, entre outras violações de direitos. E mesmo durante as mobilizações, o Estado Penal apresentou suas armas mais uma vez, reprimindo e criminalizando as lutas da juventude.
Por outro lado, o poder público e a sociedade civil participaram de um esforço importante de aperfeiçoamento das medidas socioeducativas. O resultado foi a criação do SINASE, o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, por meio da Lei nº 12.594, de 2012.
Com a nova lei, as medidas de responsabilização dos adolescentes infratores são regulamentadas na perspectiva da garantia de direitos e considera a condição peculiar de desenvolvimento do adolescente. O SINASE estabelece marcos de funcionamento e organização do atendimento aos adolescentes em conflito com a lei, prescrevendo diretrizes pedagógicas, arquitetônicas, materiais e de recursos humanos coerentes com o Estatuto da Criança e Adolescente.
Enfrentar a violência contra adolescentes e jovens é uma questão central do nosso tempo. Contra a redução da maioridade penal e o aumento do tempo de internação no sistema socioeducativo, devemos lutar pela plena implementação do SINASE e do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Reforma política só com pressão popular

*Bruno Elias
Pelo menos nos discursos de alguns partidos políticos, lideranças e organizações da sociedade, o tema da reforma política tem retornado ao debate público. Aliás, é preciso dizer que nunca foi por uma questão de retórica que a “mãe das reformas” não saiu do papel. O que sempre faltou, na verdade, foi mobilização de amplas forças políticas e sociais em torno de sua reivindicação.
A reforma política é chave para um conjunto de transformações mais profundas no País. Mais do que enfrentar a corrupção e a privatização da política, tal iniciativa deve estar a serviço do alargamento da democracia e da participação popular, que são indispensáveis para a realização de um conjunto de outras reformas estruturais como a democratização das comunicações, a reforma agrária, urbana, tributária e do sistema financeiro.
Nesse sentido, é fundamental que a reivindicação de uma reforma política com participação popular aponte alguns eixos prioritários como o financiamento público exclusivo nas campanhas eleitorais; a ampliação dos referendos, plebiscitos e consultas diretas à população; o fortalecimento dos partidos com fidelidade partidária, o voto em lista pré-ordenada e o fim das coligações proporcionais; a ampliação da participação da juventude, das mulheres e da população negra nos espaços políticos; o fim da propriedade dos meios de comunicação por políticos e medidas de democratização e transparência do Poder Judiciário que inibam a “judicialização da política”.
É fato que setores expressivos da população como os jovens, as mulheres, os negros e os que vivem em condição de pobreza, entre outros, estão subrepresentados nos espaços de poder. Apesar disso e mesmo considerando os poderosos interesses que resistem às mudanças, é preciso reconhecer que a reforma política ainda não dispõe de um grande apelo junto aos setores populares.
Exemplos de tal comportamento são percebidos na reação de muitos à alguns pontos centrais da reforma política, como o financiamento público de campanha e o voto em lista partidária. Enquanto o primeiro é visto por vezes como “dar mais dinheiro do povo aos políticos”, o voto partidário não raro é confundido com “retirar o meu direito de votar em quem eu quiser”.
Constatar tais limites é fundamental para que partidos políticos e movimentos sociais assumam uma nova postura, mais pedagógica e combativa, em relação a este debate. De nada valem floreadas resoluções de encontros e congressos sem formação política, educação popular e trabalho de base que disputem e debatam as idéias transformadoras de uma reforma política no cotidiano dos trabalhadores.
Tampouco adiantará se tal constatação não for acompanhada de luta social e gente na rua. A atualização de um programa de reformas de base no Brasil pressupõe uma nova governabilidade, uma governabilidade social que reconheça a importância da institucionalidade no atual estágio da luta de classes no País, mas tenha na retomada das mobilizações e na reorganização de uma ampla frente democrática e popular o seu campo privilegiado de alianças e de ação política.
A profusão de propostas como a de uma nova constituinte, uma conferência nacional ou um plebiscito sobre a reforma política guardam em comum o reconhecimento de que uma reforma estrutural como esta não será realizada por aqueles que majoritariamente sempre foram beneficiados pelo atual sistema político.
Para tanto, a reforma política deve também contribuir para resgatar o sentido da participação das pessoas na vida pública e comunitária. Disputando com o individualismo, o consumismo e o conservadorismo disseminados pela sociedade do capital, a reforma do sistema político deve estar acompanhada da idéia de que é preciso mudar a política para mudar a vida e construir um mundo novo. (Março/2013)

A questão da idade no Estatuto da Juventude

* Por Severine Macedo e Bruno Elias


O projeto de lei do Estatuto da Juventude (PLC 98/2011) inaugura um momento decisivo de sua tramitação no Congresso Nacional. Em debate no legislativo desde 2004, o projeto de lei que trata dos direitos da juventude brasileira está na ordem do dia das comissões do Senado.

Dispostos a não comemorar o aniversário de 10 anos de tramitação do projeto, a Secretaria Nacional de Juventude e o CONJUVE têm reivindicado sua aprovação como uma das prioridades do ano de 2013. Articulados nas ruas e nas redes, as organizações e movimento sociais também incluíram a aprovação do estatuto entre as reivindicações da jornada de lutas da juventude, a ser realizada nos próximos dias em todo o Brasil.

O Estatuto da Juventude será uma inédita declaração de direitos singulares e universais dos jovens. Além disso, apontará as diretrizes e princípios das políticas públicas de juventude e a identificação da população que será contemplada como jovem no país. Aliás, é neste último ponto que reside uma das polêmicas em torno do projeto, que é definir qual faixa de idade deveria ser compreendida pelo Estatuto da Juventude.

Ao longo destes últimos nove anos em que o Estatuto da Juventude tramitou na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, firmou-se um entendimento de que a população jovem compreenderia as pessoas com idade de 15 a 29 anos. Compreensão semelhante orientou o governo federal a sancionar a Lei 11.129/2005, que criou a Secretaria e o Conselho Nacional de Juventude, com responsabilidades sobre as políticas públicas voltadas “aos jovens na faixa etária entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos, ressalvado o disposto na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente.”

Nos debates recentes sobre o Estatuto da Juventude, a questão da idade despertou polêmica sob dois aspectos. Por um lado, questionava-se o limite de idade até 29 anos, considerado extenso por alguns. Em resposta a tais observações, verificou-se que esta compreensão ampliada da juventude se justifica por fenômenos sociais contemporâneos que incidem no alongamento da condição juvenil, em parte pela necessidade de estender o tempo de escolaridade e formação profissional, mas também pelas dificuldades de inserção da atual geração de jovens no mundo do trabalho e em outras dimensões da vida adulta.

Por outro lado, o reconhecimento dos indivíduos de 15 a 18 anos como jovens pelo Estatuto da Juventude tem despertado dúvidas e preocupações no campo da política da criança e do adolescente, que teme pela sobreposição entre esta e a política de juventude e por retrocessos no debate sobre a maioridade penal.

Para tentar dirimir essa preocupação, a SNJ e o Conselho Nacional de Juventude têm apresentado nos seus documentos uma proposta de emenda ao projeto do Estatuto da Juventude, que dá maior nitidez ao alcance da lei, deixando expresso que os direitos e políticas de juventude são complementares ao disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Caso esta proposta seja acolhida, o Estatuto da Juventude teria tal ressalva desde o seu primeiro artigo:

“Art. 1º  (...)
§ 1º Para os efeitos desta Lei, são consideradas jovens as pessoas com idade entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos.

§ Os direitos assegurados aos jovens nesta Lei serão interpretados de forma complementar e nunca em prejuízo do disposto para os adolescentes na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e Adolescente.”

            A proposta de emenda apresentada também é justificada pelo foco diferenciado que têm o Estatuto da Juventude em relação aos direitos e políticas públicas da criança e do adolescente. Enquanto a abordagem do ECA tem como diretriz a “doutrina da proteção integral”, o princípio que orientaria o Estatuto da Juventude seria o da promoção da autonomia e emancipação do jovem.
           
            Esta diversidade conceitual e o caráter complementar entre os dois estatutos também podem ser observados em um exercício de comparação entre os direitos já garantidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e a declaração de direitos proposta pelas emendas da Secretaria e do Conselho Nacional de Juventude.

No artigo 4º do ECA, estão garantidos como direitos das crianças e adolescentes os direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Nas propostas da SNJ e do CONJUVE, por sua vez, constariam no Estatuto da Juventude os seguintes direitos singulares e universais: direito à participação; à educação; à profissionalização, ao trabalho e à renda; à diversidade e à igualdade; à saúde; à cultura; à comunicação e à liberdade de expressão; ao desporto e ao lazer; à sustentabilidade e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; ao território e à mobilidade; à segurança pública e ao acesso à justiça.

Em relação a eventuais repercussões no debate sobre a maioridade penal, é preciso registrar que além da ressalva de que os direitos da juventude não implicariam em prejuízo ao ECA, o PLC 98/2011 não dispõe sobre matéria penal em nenhum de seus artigos. De igual maneira, tanto a garantia constitucional de inimputabilidade aos menores de 18 anos quanto as medidas socioeducativas previstas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, não são tratadas pelo Estatuto da Juventude.

Cabe registrar ainda que na aplicação concreta das políticas públicas de juventude e da criança e do adolescente, a coexistência entre ambas já ocorre sem sobreposições ou prejuízo na atuação dos órgãos gestores e de controle social. No âmbito dos municípios, dos estados e da União, tanto as áreas de governo quanto os Conselhos de Direitos e os Conselhos Tutelares convivem com responsabilidades e atribuições diferenciadas em relação aos Conselhos de Juventude.

A partir de tal entendimento, os direitos da juventude não devem ser vistos como sobrepostos aos direitos da criança e adolescente. Em especial os jovens com idade entre 15 e 18 anos, vulneráveis por uma série de determinantes sociais, precisam mais do que ninguém da complementaridade das duas dimensões de direitos: tanto os direitos voltados a proteção integral, garantidos pelo ECA, quanto os direitos de participação, autonomia e emancipação, previstos pelo Estatuto da Juventude.

Ao tratarmos de direitos relacionados a fases da vida, devemos considerar que a juventude e a adolescência são construções históricas e sociais referenciadas em cada época e cultura. Embora os limites etários sejam de grande utilidade para o foco das políticas públicas, na vida concreta de adolescentes e jovens estas fronteiras não são tão rígidas ou homogêneas.

Na prática, a legislação brasileira já reconhece a complexidade da fase dos 15 aos 18 anos para a trajetória do indivíduo. É neste momento de transição entre o final da adolescência e os primeiros anos da juventude que se situa aos 16 anos a idade mínima para o trabalho (salvo em condição de aprendiz, a partir dos 14 anos); em geral, é dos 15 aos 17 anos que se projeta a conclusão regular da Educação Básica; a Constituição Federal permite o voto facultativo aos 16 anos e a partir dos 18, o jovem alcança a maioridade civil e penal.

Com tantas questões envolvidas, a leitura desta breve polêmica não deve ser entendida como uma disputa entre os defensores dos direitos da criança e dos adolescentes, de um lado, e o campo das políticas de juventude, do outro. Ao contrário, trata-se de um debate qualificado entre ativistas, conselhos, movimentos sociais e gestores públicos que estão historicamente unidos na defesa dos direitos das novas gerações no Brasil.

A riqueza desta discussão tem evidenciado o compromisso de setores representativos da sociedade com a ampliação de direitos dos adolescentes e jovens, a partir de pontos convergentes como a plena aplicação do ECA, o aperfeiçoamento e aprovação do Estatuto da Juventude ainda no ano de 2013 e a posição contrária à redução da maioridade penal.

Reconhecendo as políticas de juventude como políticas de Estado, para além da transitoriedade dos governos, o Estatuto da Juventude também completaria, ao lado do Estatuto da Criança e Adolescente e do Estatuto do Idoso, o primeiro ciclo de leis que garantem direitos geracionais no Brasil. Portanto, a mobilização da sociedade e do Congresso Nacional para sua aprovação são passos ousados de uma caminhada ainda maior pela garantia de direitos no país.


Severine Macedo é Secretária Nacional de Juventude da Secretaria-Geral da Presidência da República


Bruno Elias é secretário-executivo do Conselho Nacional de Juventude

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

O Estatuto da juventude na ordem do dia



*Por Severine Macedo e Bruno Elias
 
O Estatuto da Juventude, em discussão na Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal, reúne na mesma lei uma inédita declaração de direitos da juventude brasileira e o marco de criação de um sistema nacional de políticas públicas para os jovens. O projeto de lei do Estatuto reforça, com a Emenda Constitucional nº 65, que incluiu a juventude na Constituição, e o Plano Nacional de Juventude, o marco legal da política pública de juventude no país e o tema como política de Estado.
Como contribuição ao debate sobre o projeto de lei do Estatuto da Juventude, a Secretaria Nacional de Juventude, da Secretaria-Geral da Presidência da República, formulou e reuniu um conjunto de sugestões ao texto do projeto, aproximando seu conteúdo das diretrizes da Política Nacional de Juventude e das resoluções das duas Conferências Nacionais de Juventude, realizadas em 2008 e 2011.
Estas sugestões, que também foram resultado de diversas reuniões e consultas às contribuições formuladas pelo Conselho Nacional de Juventude, por organizações e movimentos juvenis, juventudes partidárias e entidades do movimento estudantil, serão apresentadas em diálogo com as áreas de governo e os relatores do projeto nas Comissões do Senado.

Autonomia e emancipação da juventude

De acordo com a proposta, o Estatuto apontaria desde os seus primeiros artigos a“autonomia e emancipação dos jovens” como princípio orientador da lei. Ao considerar jovens as pessoas com idade entre 15 e 29 anos, o projeto reforça em relação aos jovens adolescentes a compreensão de que os direitos garantidos pelo Estatuto da Juventude devem ser interpretados de maneira extensiva e nunca em prejuízo ao previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Ou seja, reafirma a lei que garante a proteção integral da criança e do adolescente, mas contempla outro campo de direitos e políticas públicas, voltadas para a autonomia, participação e emancipação do jovem.

Nesse sentido, ao tratar dos princípios e diretrizes da política de juventude, a proposta incorpora questões importantes como a participação e criatividade do jovem no desenvolvimento do país; a promoção da intersetorialidade e do território como espaço de integração da política pública de juventude; a adoção de mecanismos que ampliem a gestão de informação e produção de conhecimento sobre juventude; a integração entre os jovens da América Latina e a cooperação internacional, entre outros.

Direitos da juventude e sistema nacional

A Constituição Federal, ao incluir a juventude no seu texto, definiu que a lei criaria um estatuto de direitos dos jovens. Na proposta em discussão pela Secretaria Nacional de Juventude, o Estatuto contemplaria os seguintes direitos universais e singulares da juventude: a) Direito à participação; b) Direito à educação; c) Direito à profissionalização, ao trabalho e à renda; d) Direito à diversidade e à igualdade; e) Direito à saúde; f) Direito à cultura, à comunicação e à liberdade de expressão; g) Direito ao desporto e ao lazer; h) Direito à sustentabilidade e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; i) Direito ao território e à mobilidade; j) Direito à segurança pública e ao acesso à justiça.

A participação social e política dos jovens fortalece a democracia brasileira e abre espaços para que a participação também seja reconhecida como um método de governo. No projeto de lei do Estatuto, o direito à participação é reconhecido como um direito fundamental do jovem, tanto na vida em sociedade quanto na promoção das políticas públicas, dos conselhos e dos órgãos governamentais de juventude.

A escola e a universidade, por sua vez, devem se aproximar da realidade do jovem. Tão importantes quanto o acesso à educação, a permanência, a gestão democrática e a qualidade do ensino são grandes desafios da juventude brasileira. No tema dodireito à educação, a Secretaria Nacional de Juventude reuniu sugestões que caminham no sentido de promover o direito do jovem à educação em todas as suas modalidades e o reconhecimento da diversidade da juventude nas políticas de acesso, assistência estudantil e participação democrática nas instâncias educacionais.

Mesmo com dificuldade, os jovens tentam conciliar seus estudos com uma inserção de qualidade no mundo do trabalho. No direito à profissionalização, ao trabalho e à renda, as sugestões da Secretaria ao Estatuto reforçam a importância do trabalho decente para a juventude, exercido em condições e com remuneração e proteção social adequados, e de ações de geração de emprego e renda, economia solidária, cooperativismo e desenvolvimento rural sustentável.

As múltiplas trajetórias dos jovens brasileiros demandam um olhar prioritário sobre a valorização da diversidade e o enfrentamento às desigualdades vivenciadas pela juventude. Ao reconhecer o direito à diversidade e à igualdade, o projeto de lei do Estatuto fortalece as políticas de defesa e promoção de direitos humanos e as políticas afirmativas.

A qualidade de vida do jovem também é vista como prioridade pelo Estatuto da Juventude. No direito à saúde, propõe-se que as especificidades da condição juvenil sejam consideradas no acesso ao Sistema Único de Saúde e que as políticas públicas devem integrar a prevenção, a promoção, a proteção e a recuperação da saúde dos jovens, com especial atenção às questões relacionadas à saúde sexual e reprodutiva e ao abuso de álcool, tabaco e outras drogas.

Outro direito reconhecido pelo projeto de lei, o direito à cultura, à comunicação e à liberdade de expressão, reconhece o potencial criativo dos jovens na produção, reelaboração e fruição dos bens culturais e regulamenta o benefício da meia-entrada, assegurando acesso aos espaços e eventos culturais, esportivos, de lazer e entretenimento mediante pagamento da metade do preço do ingresso cobrado.

Nesta proposta, a meia-entrada contemplaria, além de estudantes, os jovens com renda familiar per capita igual ou inferior a 1 (um) salário mínimo. Alcançando a juventude em situação de pobreza e vulnerabilidade, esta sugestão parte de uma mediação entre as propostas de universalização da meia-entrada para toda a juventude e a restrição do benefício apenas para a juventude que está na escola ou universidade.

A atual geração de jovens brasileiros vive em um país que se prepara para receber a Copa do Mundo e as Olimpíadas. A preparação do país para os jogos e o legado social desses grandes eventos esportivos devem mobilizar os jovens nos próximos anos em temas que o Estatuto também aborda no direito ao desporto e ao lazer, como as políticas públicas de incentivo à prática esportiva, a valorização do desporto educacional e de participação, e a garantia de equipamentos públicos e comunitários voltados à prática do esporte.

Atuando em redes e movimentos cada vez mais plurais, a participação da juventude é essencial na disputa de valores e do modelo de desenvolvimento. Ao dispor sobre o direito à sustentabilidade e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o projeto de lei do Estatuto trata do direito e do dever dos jovens com a sustentabilidade ambiental, assim como o estímulo à participação e conscientização da juventude com a preservação do meio ambiente.

Em seguida, a proposta inclui o direito ao território e à mobilidade, compreendendo políticas de habitação, circulação e equipamentos públicos voltados para a vivência dos jovens no campo e na cidade. A atual versão do projeto de Lei no Senado estabelece ainda a reserva de duas vagas gratuitas e duas passagens com desconto de 50% na rede de transporte interestadual aos jovens com renda igual ou inferior a 2 (dois) salários mínimos.

No território, a concentração da violência e dos homicídios sobre a população jovem, negra e com baixa escolaridade exige uma grande mobilização do governo e da sociedade para garantir o direito do jovem a viver. Nesse sentido, a proposta também sugere ao projeto de lei do Estatuto da Juventude a inclusão dodireito à segurança pública e ao acesso à justiça, integrando iniciativas e políticas públicas que combinem a prevenção e o enfrentamento à violência cometida contra os jovens.

Finalmente, o projeto de Lei do Estatuto cria o Sistema Nacional de Juventude, prevendo as competências e a cooperação entre União, Estados e Municípios nas políticas públicas de juventude, bem como a participação dos jovens e dos conselhos de juventude na sua formulação e acompanhamento. A regulamentação do Sistema, no entanto, será definida posteriormente com a participação dos jovens, dos gestores de juventude e dos movimentos e organizações juvenis.

Por reconhecer direitos e políticas públicas importantes para a inclusão e emancipação dos jovens, a aprovação do Estatuto da Juventude deve ser encarada como uma grande oportunidade para ampliar os direitos e a participação da juventude no desenvolvimento do país. O debate sobre o seu conteúdo e aprovação vai além da maior geração de jovens do Brasil. É um assunto de interesse de toda a sociedade.

Severine Macedo, Secretária Nacional de Juventude da Secretaria-Geral da Presidência da República

Bruno Elias, secretário-executivo do Conselho Nacional de Juventude

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Juventude, verdade e justiça



A instalação da Comissão da Verdade abre uma nova frente de luta para a juventude brasileira. Ao afirmar que “o Brasil e as novas gerações merecem a verdade”, a presidenta Dilma reforça uma dimensão fundamental desta luta, que é a importante participação dos jovens na efetivação do direito à memória, à verdade e à justiça no país.

O êxito dos trabalhos da comissão dependerá fundamentalmente da mobilização popular. A ampliação das lutas sociais pelo direito à verdade deve estimular a criação de comitês pela verdade e justiça nos estados, municípios e outras instâncias envolvidas com o tema. Deve apontar, ademais, para a retomada da luta pela punição dos agentes estatais e comandantes dos atos de tortura, assassinatos e desaparecimentos cometidos durante o período ditatorial.

Além disso, a juventude deve denunciar as tentativas de setores militares e veículos de comunicação que buscam descaracterizar o papel da Comissão, sugerindo a investigação dos “dois lados” e dos “crimes da esquerda”. Os trabalhos da comissão devem ser dotados de recursos e estrutura adequada para seu pleno funcionamento e focados sobre a violência praticada por agentes do Estado contra os que resistiram a ditadura civil-militar implantada no Brasil.

Enfrentar este tema é também denunciar a cultura de impunidade e violência herdada do período ditatorial e entranhada nas corporações policiais e militares ainda vigente no país, não raro vitimando os jovens com as armas do Estado. No Brasil, mais da metade da população carcerária é composta de jovens de 18 a 29 anos e de acordo com dados do Ministério da Saúde, do total de homicídios no país em 2010, 26.854 das vítimas eram jovens de 15 a 29 anos, ou seja, 53,5% do total. Destes, 74,6% eram negros.

A Comissão da Verdade chega com o atraso de anos de impunidade e como resultado da mobilização dos movimentos sociais, ativistas de direitos humanos, familiares de mortos e desaparecidos e também pela pressão e exigência de vários fóruns internacionais. Sua instalação – uma decisão acertada dos governos de Lula e Dilma - ocorre num contexto de mobilizações em vários estados do país, desde os “esculachos” contra os agentes da ditadura até manifestações em escolas, ruas e espaços públicos que envergonham a democracia homenageando ditadores e cúmplices do regime.

Uma das marcas dessas recentes mobilizações é a presença expressiva de jovens, sinalizando que para as novas gerações, o direito à memória e à verdade não se trata apenas de um olhar sobre o nosso passado, mas de uma condição necessária para que não esqueçamos o que aconteceu e que não se repitam as violências praticadas contra a liberdade e a democracia no presente e no futuro.

Afinal, são sobre os jovens as maiores tentativas de impor o esquecimento deste período histórico. Nascidos nos idos dos anos 1980, quando da transição pelo alto do regime ditatorial para a “nova república”, a atual geração de militantes sociais reconhece que lutar pelos direitos negados aos jovens que tombaram e foram vítimas da violência estatal de ontem, é garantir os direitos e a liberdade dos jovens de hoje.


Bruno Elias, coordenador de movimentos sociais da Juventude do PT

terça-feira, 17 de abril de 2012

Aos vacilantes, por Bertold Brecht

Você diz:
nossa causa vai mal.
As trevas aumentam. Nossas forças diminuem.

Depois de termos lutado tantos anos,
estamos numa situação pior do que a do começo.
E o inimigo está mais forte do que nunca.


(...)

Cometemos erros, não se pode negar.
Nosso efetivo está reduzido.
Nosso discurso está confuso; e uma parte das nossas palavras
foi distorcida pelo adversário até se tornar irreconhecível.

O que é que está errado no que nós dissemos?
Alguns pontos? Ou tudo?
Com quem devemos contar, ainda?

Somos apenas os restos de um naufrágio que o rio deixou
nas margens, abandonados,
antes de continuar sua viagem?

Estamos ultrapassados? Não compreendemos mais nada
e ninguém mais nos compreende?
Precisamos ter sorte?

É o que você pergunta. Mas não espere resposta
a não ser de você mesmo.


Bertolt Brecht
trad.: Leandro Konder

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Não basta ser jovem

Entre os dias 12 e 15 de novembro, realizou-se em Brasília, o segundo Congresso da Juventude do PT. Um balanço detido do congresso merecerá mais detalhes, mas dos vários pontos possíveis de serem avaliados, um em particular nos interessa: teria este Congresso ampliado a capacidade da Juventude do PT disputar um programa socialista e se enraizar na realidade e nas lutas da juventude brasileira?

Afinal, já é senso comum reconhecer que “novos personagens entram em cena” no atual momento político do país. As políticas sociais e econômicas dos últimos anos promoveram grande mobilidade social, retirando milhões da pobreza e ampliando a classe trabalhadora.

Estes trabalhadores, jovens em sua maioria e mal denominados nova classe média, tiveram uma elevação de suas condições materiais que não foi acompanhada por uma correspondente elevação cultural ou de valores solidários, humanistas ou mesmo das posições políticas de esquerda e progressistas.

As eleições de 2010, por exemplo, foram marcadas por esse descompasso entre os grandes avanços dos últimos anos e o conservadorismo ainda enraizado em setores da população. Ampliar e polarizar essa disputa ideológica contra a direita será uma das principais tarefas dos partidos de esquerda e dos movimentos sociais no próximo período.

É neste aspecto que as investidas de algumas denominações religiosas contra o Estado laico, a onda de ataques homofóbicos nas grandes cidades, a audiência de propostas como a pena de morte e a redução da maioridade penal, a criminalização do uso de drogas leves, entre outras ações, revelam o conteúdo reacionário e conservador da ação da direita que devemos enfrentar.

Precisamos de mais partido e luta social

Esta disputa se acentuará entre as novas gerações. O atual momento político coincide com um quadro demográfico de expressiva presença de jovens no país, conformando um quarto da população brasileira. Para uma parte expressiva destes jovens, não há memória do período neoliberal e o modo petista de governar é assimilado como exemplo de política tradicional, parte do status quo e incapaz de apresentar grandes novidades.

Superar essa percepção exigirá que o PT incorpore o tema juventude na sua agenda política e amplie as iniciativas que reforcem o caráter democrático e militante do partido. Assim, a tarefa dos jovens petistas passa a ser maior do que tratar apenas dos temas “de juventude”. Uma das principais tarefas da Juventude Petista deve ser a de MUDAR O PT, retomando sua presença nas novas marchas, redes e lutas da juventude, a formação política, o debate ideológico e a ação cultural.

Diante de tais tarefas e depois do congresso, fica claro que a nova geração do PT ainda terá uma longa caminhada para se firmar coletivamente como capaz de reencantar para a política amplos setores da juventude brasileira.

O Congresso da Juventude do PT impulsionou uma forte mobilização da juventude do partido. Convocado em mais de 1500 municípios de todos os estados do país, mobilizou em três meses quase 20 mil jovens na base do PT. Esta energia acumulada deve ser convertida em grandes atividades no próximo período, como o primeiro Encontro Nacional de Secretarias Municipais da Juventude do PT, a organização setorial, a campanha de filiação e Voto aos 16, a realização da segunda Caravana da JPT e a campanha municipal de 2012.

No entanto, o Congresso também foi pautado por visões distintas de como organizar a juventude do PT, ainda que parte dos desafios acima citados tenha sido reivindicada por grande parte das teses. Em muitos momentos, nosso Congresso combinou os mesmos vícios presentes em congressos estudantis e outras eleições partidárias. Práticas como a de artificialização de delegações municipais e estaduais e o controle centralizado da burocracia do Congresso nas mãos de apenas uma força política devem ser superadas.

Outra crítica recorrente é a de que precisamos também reformar nossos fóruns e espaços de debates. Quatro dias de mesas e uma programação vertical sem grupos de discussão entre jovens de todo o Brasil, além de um desperdício só reforça o afastamento da juventude com os espaços do PT. Aliás, reiteramos o discurso do presidente do partido, quando este disse que para atrair os jovens devemos enfrentar os burocratas. A JPT que queremos não é uma juventude institucionalizada e encastelada nos gabinetes.

Do ponto de vista da disputa do Congresso, o acordo eleitoral da chapa majoritária – Construindo um Novo Brasil e Democracia Socialista – também foi objeto de polêmica em plenário. Aqui não se trata de questionar a política de aliança de outras tendências internas do PT, mas a criação de uma secretaria-adjunta sem ter sido debatida ou proposta na comissão de sistematização serviu tão somente para acomodar o amigo do rei.

Nestes mesmos termos, ainda seria aprovada pela “nova maioria” uma emenda totalmente dispensável, incluindo o conceito de revolução democrática na resolução política do congresso. Requentada nos últimos anos, a revolução democrática ora é apresentada como as realizações dos governos Lula e Dilma, ora como plataforma pós-neoliberal. Se nem no PT os moderados aprovam mais isso nas resoluções, sua inclusão no documento da JPT serviu apenas para o conhecido argumento do “eles toparam o nosso programa”.

Apesar disso, o balanço geral do Congresso da JPT é positivo. A juventude do PT demonstrou ser muito maior que sua maioria de ocasião e mesmo com todas as adversidades, a esquerda socialista do PT permanece viva e atuante.

Celebrada nos discursos e documentos do Congresso, a idéia de pacto ou transição geracional, em si, não quer dizer nada quando descolada do conteúdo da política. Não basta ser jovem. A atuação da JPT também deve estar a serviço de uma nova política.

Nossas lutas e sonhos são de todas as cores. Nossa esperança é vermelha.

Bruno Elias

terça-feira, 8 de novembro de 2011

#2ConJPT: A hora da Juventude


A realização do 2º Congresso da JPT, entre os dias 12 e 15 de novembro, deve apontar caminhos para uma nova organização de juventude e um programa que dispute corações e mentes da juventude brasileira.

No rastro da atual crise capitalista, mobilizações juvenis e populares foram deflagradas em países árabes, na Europa, nos EUA e também em países vizinhos, como o Chile. Num momento em que o capitalismo apresenta toda sua vocação para a barbárie, é tarefa da Juventude do PT agitar bem alto a bandeira do socialismo.

Nossa defesa do socialismo é baseada na crítica ao capitalismo, aos seus efeitos destruidores sobre a natureza e sobre a humanidade. A destruição ambiental, a barbárie social, as guerras, a incompatibilidade cada vez maior entre o capitalismo e as liberdades democráticas são alguns dos motivos que tornam urgente a luta e a construção do socialismo como alternativa tanto aos grandes problemas da humanidade, quanto aos grandes dilemas do Brasil.

Alternativa democrática e popular

No Brasil e na América Latina, vivemos um tempo de grandes possibilidades. Partidos de esquerda governam para grande parte da população da região, garantindo mais democracia, mais igualdade, mais soberania nacional e mais integração continental. No Brasil, oito anos de governo Lula e os primeiros meses de governo Dilma vão deixando para trás o neoliberalismo.

Os avanços, no entanto, ainda não se tornaram estruturais, não se converteram num outro modelo de desenvolvimento. Portanto, é necessário mais partido e mais luta social em defesa de uma plataforma que aprofunde a democratização da sociedade, a partir de uma reforma política e da democratização dos meios de comunicação. Por sua vez, uma reforma tributária progressiva deve viabilizar um fundo público capaz de ampliar o gasto social e a participação do trabalho na distribuição da renda e riqueza do país.

Um projeto de desenvolvimento democrático e popular deve considerar o processo de incorporação das novas gerações. É preciso criar as condições para formar uma geração capaz de disputar e dar continuidade aos avanços políticos, sociais e econômicos que o Brasil necessita.

Esta é a maior geração de jovens da história, aproximadamente 50 milhões com 15 a 29 anos ou pouco mais de 25% da população do país. Tal bônus demográfico é um ativo importantíssimo no desenvolvimento das forças produtivas do país possibilitando, desde que bem aproveitado por uma ação planejada do Estado, um aumento da produção e da renda per capita, a elevação da capacidade de poupança e de investimento e uma otimização dos gastos sociais demandados pela população dependente.

Uma nova geração de políticas e direitos da juventude

A orientação geral do Governo Dilma em trabalhar a erradicação da pobreza extrema como meta fundamental de governo demandará a implementação de políticas públicas de juventude abrangentes e em escala, que colaborem na superação do ciclo de reprodução da pobreza que atinge as novas gerações.

Nesta perspectiva, a ampliação da cobertura das políticas sociais deve compreender também uma nova geração de políticas públicas de juventude e a criação de novos direitos sociais.  O recorte conceitual que deve organizar estas políticas é o da emancipação dos jovens, passando pela afirmação de novos direitos como o direito à experimentação, à autonomia, à participação, ao financiamento público do tempo livre, à redução obrigatória da jornada de trabalho durante os estudos, dentre outros.

Além disso, uma nova articulação entre o mundo do trabalho e a educação para os jovens também se faz necessária. Apontar uma inserção social e produtiva da juventude diferenciada da atual passa por enfrentar a situação do trabalho juvenil no país - precoce, precarizado, mal remunerado, com longas jornadas, incompatível com a continuidade dos estudos, etc.

O desafio passa a ser o de combinar a criação de postos de trabalho decente para a juventude com o financiamento de programas que integrem políticas de transferência de renda, elevação continuada e qualitativa da escolaridade, tempo livre, formação científica e tecnológica e mobilização em serviços comunitários.

De igual maneira, a política educacional deve dar um salto de qualidade. Além da ampliação do acesso à todas as modalidades de ensino e a erradicação do analfabetismo, será preciso empreender uma reestruturação profunda do Ensino Médio em sua articulação com os distintos campos do saber e iniciação científica, na integração com o ensino técnico e profissional e nos seus instrumentos de ensino-aprendizagem, gestão democrática e política pedagógica.

O PT e a juventude

Apesar de ter sempre contado com muitos jovens em suas fileiras, o PT nunca considerou o tema e a organização dos jovens como prioridade. Por vezes, inclusive, relegou a outros partidos da esquerda brasileira a referência do projeto democrático e popular na juventude.

Precisamos superar em nosso partido a visão instrumental que encara os jovens como “tarefeiros” ou apenas como quadros “inexperientes” a serem formados para o futuro. A compreensão do jovem como sujeito político do presente, capaz de participar da renovação do projeto político do partido, permanece como um grande desafio.

São por esses e outros motivos que o PT, mesmo com quase 30% da preferência do eleitorado nacional, tem perdido apoio nas novas gerações. Para grande parte dos jovens, o partido já é visto como igual aos demais partidos tradicionais. A crescente institucionalização, o refluxo do debate ideológico e a ausência de discurso e diálogo com os movimentos juvenis reforçam este estigma.

Na luta política dos próximos anos, a mera estratégia de comparar os governos petistas com os governos tucanos, apesar de importante, não será suficiente. Aos jovens será fundamental que os partidos apresentem uma agenda de conquistas e mudanças para o futuro, já que muitos pela idade não vivenciaram com tanta nitidez o contraste entre um e outro modo de governar.

Novos personagens entram em cena. E contrariando o senso comum conservador de que a juventude é apática e despolitizada, acompanhamos o surgimento cada vez maior de novas redes e formas de participação da juventude. No trabalho, nos estudos ou mesmo conectada ao mundo a partir da internet, percebemos na ação comunitária, nas redes sociais ou nas marchas e movimentos juvenis, uma atuação coletiva cada vez mais diversificada.

É central para a juventude do PT dialogar com essa nova geração de lutadoras e lutadores sociais.

Um novo patamar da Juventude do PT

Apontar caminhos que reforcem o caráter democrático e militante da Juventude do PT será fundamental no próximo período, em que a JPT coordenará a campanha municipal de juventude em 2012 e deve criar as condições políticas e organizativas para ampliar a sua presença nas lutas da juventude.

Alcançando mais de 1500 municípios em todos os estados do país, a mobilização do 2° Congresso da Juventude do PT indicou que há espaço para o enraizamento e municipalização de uma organização militante e de massas dos jovens petistas.

No entanto, os limites político-organizativos ainda presentes na JPT também ficaram evidentes durante o Congresso. Em muitos momentos, percebemos os mesmos vícios existentes em outras eleições internas ou congressos estudantis.  É a partir desta crítica que rejeitamos a renovação conservadora que representaria a proposta de PED da juventude.

Apresentada de maneira tímida e sem enraizamento nos debates preparatórios do Congresso, o PED de Juventude é uma proposta que, acima de tudo, não supera os problemas do atual modelo. Ao contrário, acentua uma concepção de filiado-eleitor em detrimento de uma participação militante, que não colabora na politização da renovação das direções de juventude.

Do ponto de vista organizativo, a próxima gestão da juventude do PT terá grandes tarefas. A ação municipal deve ser uma das prioridades desta gestão que coordenará a juventude petista nas eleições municipais de 2012 e deve consolidar seu novo modelo organizativo desde a base.

Neste sentido, propomos a realização de um primeiro Encontro Nacional de Secretarias Municipais da Juventude do PT, no primeiro semestre de 2012, para planejar a intervenção da JPT nos próximos dois anos e convocar uma 2ª Caravana Nacional da JPT, a percorrer os estados de todo o país, debatendo o programa de juventude para as eleições.

Outra importante frente de atuação é a dos movimentos juvenis. A JPT deve construir um trabalho setorial nas mais diversas frentes de atuação e participação da juventude. Estes setoriais devem ser espaços mais livres e flexíveis de atuação dos jovens petistas, aglutinando simpatizantes e militantes do movimento juvenil, a exemplo da JN13, coletivos de jovens feministas, de diversidade sexual, redes sociais, meio ambiente, cultural, estudantil, entre outros.

A nova organização da JPT, apontada pelo 4º congresso do partido e fortalecida pelo congresso da juventude petista, deve ser tirada do papel pelos próprios jovens do PT. Tal autonomia não deve ser compreendida como independência ou separação do partido, mas como condição indispensável para a Juventude do Partido dos Trabalhadores dispor de sua própria organização e capacidade de incidir nas pautas e lutas da juventude brasileira.

Bruno Elias é Coordenador de relações internacionais da JPT e candidato à secretário nacional da Juventude do PT pela tese "A Esperança é Vermelha"

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Os caetés de Graciliano Ramos



Depois de semanas de idas e vindas, terminei de ler “Caetés” de Graciliano Ramos, livro que recomendo a todos.

Caetés é a primeira obra do escritor alagoano. Anuncia o talento que viria a ser consagrado em livros posteriores, como “São Bernardo”, “Angústia” e a obra-prima “Vidas Secas”, entre outras.
...
Em Caetés, a cidade de Palmeira dos Índios – que eu tive a oportunidade de conhecer nas andanças do movimento estudantil – se converte em cidade-mundo, palco de dilemas tão particulares quanto universais de um certo guarda-livros João Valério.

Se as aspirações literárias ou sentimentais do protagonista serão ou não realizadas, deixo a curiosidade para os futuros leitores do livro, mas o que vale é a homenagem a este grande brasileiro chamado Graciliano Ramos.

Para além de sua contribuição literária, Graciliano Ramos também foi defensor de posições políticas avançadas. Jovem prefeito em Palmeira dos Índios e com respeitada carreira no serviço público, o autor foi perseguido e preso pela ditadura do Estado Novo na década de 1930. Desta passagem pela prisão política, Graciliano nos legou o contundente relato póstumo “Memórias do Cárcere”. Anos depois ainda se filiaria ao Partido Comunista Brasileiro.

Em breves trechos, como os que eu destaco abaixo, evidenciam-se traços de sua literatura nua, crua e extremamente humana:

“Caminhamos em silêncio até o lugar onde existiu o cruzeiro verde, um cajueiro com dois galhos em forma de cruz, que a gente dos sítios próximos vinha adorar. Falei da multidão que ali encontrei uma tarde – mendigos, mulheres com filhos pendurados aos peitos, curiosos, espertalhões que se arvoravam em sacerdotes”

“Não ser selvagem! Que sou eu senão um selvagem, ligeiramente polido, com uma tênue camada de verniz por fora? Quatrocentos anos de civilização, outras raças, outros costumes. E eu disse que não sabia o que se passava na alma de um caeté! Provavelmente o que se passa na minha, com algumas diferenças. Um caeté de olhos azuis, que fala português ruim, sabe escrituração mercantil, lê jornais, ouve missas. É isto, um caeté. Estes desejos excessivos que desaparecem bruscamente... Esta inconstância que me faz doidejar em torno de um soneto incompleto, um artigo que se esquiva, um romance que não posso acabar...”

“(...) Mas no íntimo, um caeté. Um caeté descrente. Descrente? Engano. Não há ninguém mais crédulo que eu. E esta exaltação, quase veneração com que ouço falar em artistas que não conheço, filósofos que não sei se existiram!

Ateu! Não é verdade. Tenho passado a vida a criar deuses que morrem logo, ídolos que depois derrubo – uma estrela no céu, algumas mulheres na terra...”

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Carta de um jovem petista


Companheiras e companheiros,


No Brasil e na América Latina, vivemos um tempo de grandes possibilidades. Partidos de esquerda governam para grande parte da população da região, garantindo mais democracia, mais igualdade, mais soberania nacional e mais integração continental. No Brasil, oito anos de governo Lula e oito meses de governo Dilma vão deixando para trás o neoliberalismo.

Mas para que estas mudanças tenham sustentabilidade, é preciso mais que ganhar eleições. É preciso organização popular e partidária. Por isto, depois de 31 anos, o Partido dos Trabalhadores é chamado a reforçar seu caráter militante e seu compromisso com um projeto político democrático, popular e socialista.

Precisamos de mais votos, mais organização popular e partidária, entre outros motivos porque a direita brasileira segue atuante e agressiva. E também porque, ao olharmos o mundo, o cenário é inquietante. No rastro da crise do capitalismo neoliberal, mobilizações populares e juvenis foram deflagradas em países árabes, na Europa e também em países vizinhos, como o Chile. Num momento de crise como o atual, em que o capitalismo apresenta toda sua vocação para a barbárie, precisamos agitar bem alto a bandeira do socialismo.

No Brasil, o desafio de consolidar conquistas e aprofundar as mudanças iniciadas em 2003 coincide com um momento especial. Nosso país possui a maior geração de jovens de sua história, aproximadamente 50 milhões, com idade entre 15 e 29 anos.

A partir do governo Lula e agora com Dilma, muita coisa começou a ser mudada e de “juventude problema” passamos a ser alcançados pelas políticas sociais e pelo crescimento econômico dos últimos anos. E é justamente para não pagar pela crise e com otimismo em relação ao país, que queremos muito mais!

Neste país em mudança, uma nova geração de jovens entra em cena. Contrariando o senso comum conservador de que a juventude é apática e despolitizada, acompanhamos o surgimento cada vez maior de novas redes e formas de participação da juventude. No trabalho, nos estudos ou mesmo conectada ao mundo a partir da internet, percebemos na ação comunitária, nas redes sociais ou nas marchas e movimentos juvenis, uma atuação coletiva cada vez mais diversificada.

Ao ser fundado, o PT promoveu um grande encontro entre a geração de jovens que lutou contra a ditadura e a jovem classe trabalhadora presente nas mobilizações da década de 1970 e 1980. Reuniu sonhos e muita luta daquelas e daqueles que dedicaram e dedicam sua vida à transformação da sociedade e ao fim da opressão e da exploração do homem pelo homem.

Apesar de ter sempre contado com muitos jovens em suas fileiras, o PT nunca considerou o tema e a organização dos jovens como prioridade. Por vezes, inclusive, deixou que outros partidos da esquerda brasileira se consolidassem como referência partidária do projeto democrático e popular na juventude.

Precisamos superar em nosso Partido dos Trabalhadores a visão instrumental que encara os jovens como “tarefeiros” ou apenas como quadros “inexperientes” a serem formados para o futuro. A compreensão do jovem como sujeito político do presente, capaz de participar da renovação do projeto político do partido, permanece como um grande desafio.

São por esses e outros motivos que o PT, mesmo com quase 30% da preferência do eleitorado nacional, tem perdido apoio nas novas gerações. Para grande parte dos jovens, o partido já é visto como igual aos demais partidos tradicionais. A crescente institucionalização, o refluxo do debate ideológico e a ausência de discurso e diálogo com os movimentos juvenis reforçam este estigma.

A nossa geração – em um outro período do partido e do país– é desafiada, da mesma forma que a geração que fundou e construiu o PT, a exercer seu protagonismo e ousadia. A realização do 2º Congresso da Juventude do PT neste semestre é uma grande oportunidade para iniciarmos um novo ciclo na história da nossa juventude partidária.

Para tanto, precisaremos reconstruir o trabalho com os jovens como prioridade de todo o partido, passando a contar com uma forte organização de juventude. Uma juventude militante e de massas, com autonomia e capacidade de organizar a base social petista entre os jovens, compreender e viver a realidade da juventude e atuar junto às diversas manifestações juvenis.

Para contribuir com este grande debate, apresentamos ao partido e à juventude nossa candidatura à Secretaria Nacional de Juventude do PT. Comecei minha militância partidária no PT do Tocantins. Atuando no movimento estudantil, fui eleito em 2004 presidente do Diretório Central dos Estudantes da UFT. Em 2005, assumi a Secretaria-Geral do PT de Palmas, permanecendo até 2007, quando fui eleito 1º Vice Presidente da União Nacional dos Estudantes (2007/2009). Atualmente em Brasília, sou coordenador de relações internacionais da Direção Nacional da Juventude do PT.

Estamos entre aqueles e aquelas que reivindicam o PT como partido socialista, democrático e de massas. Com a força da nossa militância, queremos fazer nossa estrela brilhar mais forte na juventude. Somos pela renovação geracional do partido, para que o PT amanhã não seja um mero administrador do possível, mas portador cada vez mais representativo dos sonhos da juventude brasileira.



Saudações Petistas,

Bruno Elias

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Uma nova política de uma nova geração


*Bruno Elias


“Vocês não nos deixam sonhar. Nós não os deixaremos dormir”



O Brasil vive um momento desafiador. Ao mesmo tempo em que é palco de conquistas sociais reconhecidas pelos seus e pelo mundo, possui a maior geração de jovens de sua história: somos aproximadamente 50 milhões de brasileiros, com idade entre 15 e 29 anos.

Por muito tempo, ao se falar de juventude, era comum o recurso ao saudosismo. Em oposição aos engajados da “geração de 68”, a nova geração de jovens seria apática, despolitizada e quando muito teria tido seu último suspiro político nas mobilizações estudantis do Fora Collor. Desconstituía-se, assim, não só a memória de ações reais de toda uma década, como a própria idéia de participação, organização e ação coletiva contemporânea.

A Geração Coca-Cola, cujos heróis “morreram de overdose” e perguntou “Que país é esse?”, lutou e participou ativamente das mudanças políticas dos anos seguintes. Nas eleições, votou em sua maioria pela mudança em 2002 e por sua continuidade em 2006 e 2010. De estatística das desigualdades sociais nas décadas perdidas passaram a ser alcançados pelas políticas sociais e pelo crescimento econômico dos últimos anos.

É com este país em mudança que uma nova geração de jovens entra em cena. Contrariando o senso comum de certos formadores de opinião e meios de comunicação, a estabilidade democrática e as novas tecnologias potencializaram novas formas de participação da juventude. Conectada ao mundo a partir da internet, percebemos nas redes sociais, na ação comunitária ou nas marchas libertárias dos últimos meses, uma atuação coletiva cada vez mais diversificada.

Batalhando no trabalho e nos estudos, a atual geração de jovens é otimista em relação ao país, mas quer muito mais. Vivendo uma fase da vida em que o indivíduo processa de maneira intensa seus conflitos, decisões e sua inserção na vida social, os jovens estão cada vez mais atraídos por novas bandeiras. Tendo parte da agenda de inclusão social atendida pelos avanços dos últimos anos, ganham força as reivindicações ligadas à liberdade, autonomia e experimentação.

Parte importante desta juventude já não se enxerga no jeito “tradicional” de fazer política. Contando com poucos representantes nos espaços de poder e atenta às denúncias de corrupção, deseja mais do que ações pontuais contra malfeitos com a coisa pública. O anseio é por mudanças mais profundas, algo que um grande debate público sobre a reforma política – para além dos gabinetes dos beneficiados pelo atual modelo - poderia mobilizar.

Entre os próprios partidos políticos, são poucos os que levam o tema juventude a sério. Quando não são tratados como meros tarefeiros, a visão dominante e instrumental encara a juventude como “celeiro de quadros”, a serem formados para o futuro. A compreensão do jovem como sujeito político do presente, capaz de participar da renovação do projeto político dos partidos, permanece como um grande desafio.

Um partido como o PT, por exemplo, não entende porque tem quase 30% da preferência do eleitorado, mas perde apoio nas novas gerações. O fato é que para grande parte dos jovens, o partido já é visto como igual aos demais partidos tradicionais. A crescente institucionalização, o refluxo do debate ideológico e a ausência de discurso e diálogo com as novas redes da juventude reforçam este estigma.

Querendo ou não, os partidos políticos serão chamados a fazer esse debate nos próximos anos. Nas próximas disputas eleitorais, a mera estratégia de comparar os governos petistas com os governos tucanos, apesar de importante, não será suficiente. Aos jovens será fundamental que os partidos apresentem uma agenda de conquistas e mudanças para o futuro, já que muitos pela idade não vivenciaram com tanta nitidez o contraste entre um e outro modo de governar.

Ao ser fundado, o PT promoveu um grande encontro entre a geração de jovens que lutou contra a ditadura e a jovem classe operária presente nas mobilizações da década de 1970 e 1980. É hora do PT surpreender mais uma vez, apostando nas suas novas gerações e na afirmação de um projeto democrático e popular que ganhe corações e mentes da juventude.


Bruno Elias (@_brunoelias) é estudante de Serviço Social da Universidade de Brasília e Coordenador de Relações Internacionais da Juventude do PT

domingo, 14 de agosto de 2011

INNER LONDON VIOLENCE PELA TV


“Inner London violence”, da banda skinhead Bad Manners, foi uma música que me veio à cabeça enquanto comecei a ver os riots em Londres tornando-se assunto cada vez mais frequente na TV. Aqui em Dublin, capital da República da Irlanda, mais especificamente do hostel imundo em que vivo no centro da cidade, lado norte, o “lado negro”* de Dublin, tudo que consigo ver pela TV aberta é uma dúzia de canais, sendo uma metade nacional e outra que transmite direto do Reino Unido.

A música se justifica pelo início dos tumultos exatamente na região de Tottenham, na Inner London (pela divisão que fazem entre a Inner e a Outer).

Mas o que pensar sobre as cenas em si?

O que primeiro me chamou a atenção, antes mesmo das animadas imagens de saque, incêndio e confrontos entre moradores da área e policiais foram as subsequentes reações dos conservadores do Estado vizinho. David Cameron é um saco. Um dos políticos com quem menos fui com a cara no decorrer de toda a minha vida (no Top 3 junto com George Bush Pai e o deputado federal sergipano Almeida Lima).

É o Reino Unido dos grandes tablóides recheados de sangue, sexo e fofoca. Inundado em um conservadorismo hermeticamente fechado, onde a figura do primeiro ministro inglês e o resto do mainstream político não abrem qualquer brecha à crítica das medidas de austeridade fiscal tomadas pela atual coalizão, muito bem evidenciadas pelos conflitos com trabalhadores do setor público também. Além disso é um lugar de vários reality shows policiais que dariam inveja a José Luiz Datena em termos de roteiro e produção.

Os riots se espalham pra além da cidade que outrora queimava de tédio, como diriam os punks do Clash, e foram pra Birmingham, Liverpool, Manchester , além de em menores focos em outras cidades da Inglaterra, e mesmo em Cardiff, capital do País de Gales (até a hora em que esse texto foi escrito). São lojas de celulares tomadas de assalto com Iphones e Blackberrys, novos requisitos para a circulaçao rápida de informação no mundo de hoje, levados aos montes; lojas Foot Locker com os sapatos da moda européia e americana sendo destruídas e saqueadas.

No twitter o #londonriots dava uma certa idéia do estado de nervos da cidade.

No quarto dia de tumultos, quando o mainstream inglês anuncia que começará a utilizar munição não letal pra enfrentar os “troublemakers” conversei com um amigo romeno**, ex sem-teto em Londres, que trabalha ao meu lado na função de signman, na qual despendo 3 horas do meu dia em pé ao relento. Ele me veio com uma outra ótica, vendo um lado mais cru, mais interno e extremamente estratégico dos acontecimentos. Disse-me que a maioria dos envolvidos estavam ali pensando nos equipamentos eletrônicos e outros tipos de stuff que iriam tirar das lojas. Concordei. “Que se confiam na força da multidao pra fazer o que vem fazendo”, falou em seguida. Por último ressaltou a limitação do poder policial britânico, que ele conhece bem, em enfrentar esse tipo de acontecimento inesperado, ao menos durante os primeiros dias. Também concordei. Assim como concordei que as polícias brasileira e romena teriam aparentemente menor dificuldade.

Perguntei então qual seria a razão daquela decisão estar sendo tomada exatamente naquele momento, “porque tem uma multidão pra ir junto” (obvio, estupido!). Mas continuei: “e por que se formou essa multidao?”. Chegamos aí à questão de agora.

Hoje na mesma 14 polegadas assisti gente da família do jovem morto em Tottenham dizer que as manifestações começaram pela rejeição de membros da comunidade ao abuso do poder policial, mas agora não sabia mais o que se passava, que algo mais movimentava aquele ódio em cidades tão distantes da Inner London onde Tottenham está situada.

De cara não tem muita semelhança com os movimentos do Oriente Médio e com os protestos em alguns países em crise da zona do Euro, como Grécia e Espanha. Talvez pela clara diferença de propósitos (ou mesmo pela aparente ausência deles nesse caso). Mas as condições econômicas são bastante parecidas pra se ter idéia, em diferentes padrões de desenvolvimento obviamente.
Entrevistas de jovens das vizinhanças mais “perigosas” captam exatamente críticas ao elevado desemprego e à depreciação das condições de vida, tornada clara pelo alto preço do que se quer comprar. Esse é um mundo em que ser feliz não é tão barato afinal de contas.

Falando em semelhança, lembro mesmo é dos carros queimados nas periferias francesas alguns anos atrás.

Mas não consigo imaginar que se tratem de acontecimentos sociais totalmente apartados dessa onda rebelde que tem brindado esse início de década. É como se mais pessoas estivessem ficando de saco cheio de viver onde elas vivem do jeito que elas vivem. Anima ver a placidez dos grandes líderes visivelmente abalada por coisas como a Wikileaks.

Do outro lado, o establishment personalisado nesse caso na figura de David Cameron não aparenta qualquer interesse em ceder um centímetro em seu estreito discurso de lei e ordem. Nada além de medidas repressivas e expressões de nojo compõem o discurso do primeiro ministro e agregados até o momento, sendo que já se falou até em exército na rua e interrupção emergencial dos serviços de internet (pra atingir em cheio os BlackBerrys dos rioters, parecido com o que acontece no Oriente Médio).

Há a clara intenção de construir a noção de “mindless” no imaginário do público sobre aqueles que têm controlado as ruas, pra isso também contam com a violência das imagens a favor na luta midiática. O discurso de Cameron passa a mensagem de que a repressão será utilizada até um ponto em que a sociedade inglesa se tornará uma espécie de “riot proof”. É a tentativa de dizer que os fatos causadores das preocupações não pertencem ao mundo civilizado. É esse também o tipo de hora em que as tais garantias constitucionais ocidentais mais incomodam. Vejamos até onde o poder político do Estado pode e deseja ir.

O governo se esquiva do debate de cunho social e econômico. Faz parte do plano. Na atual situação é melhor para Cameron evitar repetir a palavra fundamental do vocabulário de sua política interna: AUSTERIDADE!

Quanto mais cedo a onda incendiária terminar, melhor para o futuro político do tal Cameron e sua coalizão.

E qualquer problema é só ligar 999!

*sugiro o filme The Commitments
**agradecimentos a Demi Florin

Guilherme Andrade, 24, bacharel em Direito pela UFS, advogado, segurador de placas, músico, cineasta e goleiro em 11/08/2011.

sábado, 14 de maio de 2011

Conferência de Juventude na Rua!

No último dia 4 de maio, foi realizada a primeira reunião da Comissão Organizadora Nacional (CON) da 2ª Conferência Nacional de Juventude, cuja etapa nacional será realizada entre os dias 9 e 12 de dezembro de 2011, na cidade de Brasília.

A CON é composta por 15 membros da sociedade civil (CONJUVE) e 18 membros do poder público.

O primeiro ponto de pauta foi a discussão sobre o temário que, segundo o Regimento interno compreende:


I – Juventude: Democracia, Participação e Desenvolvimento Nacional;

II – Plano Nacional de Juventude: prioridades 2011-2015;

III – Articulação e integração das políticas públicas de juventude.


Sobre estes e outros assuntos referentes ao caráter da Conferência, convém anotar algumas observações, presentes na intervenção de muitos dos participantes na reunião:

- A 2ª Conferência Nacional de Juventude deve se consolidar como instrumento privilegiado da dimensão participativa da Política Nacional de Juventude (PNJ);

- O caráter da 2ª Conferência, por sua vez, deve ir além do estímulo a participação dos jovens ("Levantar Bandeiras") ou do seu justo reconhecimento como sujeito de direitos e publico de políticas especificas e universais;

– O debate sobre as proposições de políticas para os jovens durante a 2ª Conferência deve ser feito em conexão com os grandes temas que mobilizam o país, indicando qual o lugar da juventude na construção de um projeto de desenvolvimento democrático e popular para o Brasil;

- Pelo momento em que é realizada (inicio de um novo governo), também deve estimular reflexões de balanço sobre a Política Nacional de Juventude durante a gestão anterior, assim como uma resposta política sobre as resoluções da 1ª Conferência;

- As resoluções da 2ª Conferência devem colaborar no fortalecimento institucional da PNJ, pactuando diretrizes que anunciem compromissos do Estado brasileiro com os jovens (a serem sintetizados no Plano Nacional) e o reconhecimento e declaração política de uma nova geração de direitos e de políticas de juventude (presentes na discussão do Estatuto);

- Um dos maiores legados da ultima conferencia foi a metodologia participativa. Esta deve estar novamente presente, considerada como fundamental no processo de escuta das demandas e proposições bem como na definição das prioridades e das grandes questões em debate durante toda a conferência.


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Depois desta discussão foi anunciada a assinatura do Regimento Interno da Conferência pelo ministro Gilberto de Carvalho e escolhido o Comitê Executivo da Conferência, composto de 6 membros - 3 da Secretaria Nacional de Juventude e 3 do CONJUVE.

Os membros do CONJUVE serão Darcy Gomes (Juv. Partidárias), Gabriel Alves (CPC-UMES), Káthia Dudyk, (Instituto Paulo Freire); pela SNJ participam Bruno Elias, Gabriel Souza e Fabrício Lopes.

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Em http://www.juventude.gov.br/, já se encontram o Regimento interno da 2ª Conferência Nacional de Juventude e Resolução da CON nº1, tratando das etapas estaduais.



Bruno Elias é coordenador de relações internacionais da Juventude do PT e membro do comitê executivo da 2ª Conferência Nacional de Juventude, pela SNJ.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Transição geracional no governo Dilma


Bruno Elias

* Publicado no Página 13


Em recente decisão do Ministro Gilberto de Carvalho, a atual Secretária Nacional da Juventude do PT, Severine Macedo, foi confirmada como a nova Secretária Nacional de Juventude (SNJ) do governo Dilma. A secretaria, criada em 2005 e vinculada à Secretaria Geral da Presidência, é responsável pela articulação e execução das políticas públicas de juventude (PPJ) no âmbito do Governo Federal.

Severine Macedo é oriunda do movimento de trabalhadores da agricultura familiar e teve sua indicação respaldada por um conjunto de dirigentes partidários, movimentos sociais e juvenis e intelectuais ligados ao tema juventude. Segundo a nova secretária, estarão entre as tarefas da SNJ “agregar a perspectiva da juventude no projeto de desenvolvimento do país, ampliando a compreensão dos jovens como sujeitos de direitos e o alcance das políticas de erradicação da miséria nas novas gerações”.

Entre os desafios colocados para a gestão que se inicia está o de consolidar as conquistas e aprofundar as mudanças iniciadas no Governo Lula, em sintonia com novas e antigas aspirações populares. Dentre estas novas aspirações, a situação da juventude assume destacada importância, não só do ponto de vista da inclusão social de setores expressivos da população, mas também na tarefa essencial de colaborar com a renovação da cultura política do país.

O incremento de novas institucionalidades democráticas e políticas sociais, realizadas durante o governo Lula, implicou na ampliação dos sujeitos de direitos por elas alcançados, dentre os quais a juventude. Esta ampliação do escopo da política social combinou a retomada da universalização das políticas e serviços públicos garantidos pela Constituição Federal com a ampliação das políticas de transferência de renda focalizada nos setores mais empobrecidos.

No campo das PPJ, esta política foi reforçada nos últimos anos com a criação de estruturas institucionais específicas para o tema juventude como a Conferência e o Conselho Nacional de Juventude, a Secretaria Nacional de Juventude, ligada a Presidência da República, e programas de inclusão como o PROJOVEM.

A ampliação desses avanços deve considerar o momento de especial transição demográfica do Brasil, em que o número de jovens alcançará seu maior patamar – mais de um quarto da população – durante os próximos vinte anos, dando sequência a partir de meados de 2030 a uma trajetória de acentuado envelhecimento do conjunto da população.

Este retrato impõe a necessidade de um planejamento estratégico do Estado brasileiro no sentido de garantir o desenvolvimento integral das novas gerações, ampliando seus direitos e antecipando soluções a dilemas, entre outros, no campo do trabalho, do desenvolvimento urbano, da saúde pública e da previdência social que teremos a médio e longo prazo.

Direito de viver a juventude

A orientação geral do Governo Dilma em trabalhar a erradicação da pobreza extrema como meta fundamental de governo continuará demandando um enfoque social ampliado das políticas de juventude. A implementação de políticas públicas abrangentes e em escala devem colaborar na superação do ciclo de reprodução da pobreza que atinge as novas gerações.

Para tanto, a garantia do “direito de viver a juventude” deve articular uma nova geração de direitos e políticas públicas que possibilitem trajetórias de vivência e emancipação aos jovens, a partir do acesso ao financiamento público do tempo livre, à experimentação, à redução obrigatória da jornada de trabalho durante os estudos, ao trabalho decente, dentre outros.

Articular esta nova geração de políticas públicas exigirá um novo arranjo institucional e federativo, em que políticas e equipamentos públicos voltados aos jovens se articulem e se integrem a partir do território e assumam inovações do ponto de vista da gestão pública que ampliem as condições de monitoramento, avaliação e participação popular.

Elemento importante desta agenda de juventude que se inicia em 2011 será a realização da 2ª Conferência Nacional de Juventude, a ser precedida de conferências livres, temáticas, municipais e estaduais. O olhar geracional a ser incorporado ao modelo de desenvolvimento do país deverá mobilizar milhares de militantes juvenis, movimentos sociais e gestores das políticas de juventude, consolidando uma agenda de políticas e debates que façam avançar este tema no governo e na sociedade.

Bruno Elias, coordenador de relações internacionais da Juventude do PT