quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Os caetés de Graciliano Ramos



Depois de semanas de idas e vindas, terminei de ler “Caetés” de Graciliano Ramos, livro que recomendo a todos.

Caetés é a primeira obra do escritor alagoano. Anuncia o talento que viria a ser consagrado em livros posteriores, como “São Bernardo”, “Angústia” e a obra-prima “Vidas Secas”, entre outras.
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Em Caetés, a cidade de Palmeira dos Índios – que eu tive a oportunidade de conhecer nas andanças do movimento estudantil – se converte em cidade-mundo, palco de dilemas tão particulares quanto universais de um certo guarda-livros João Valério.

Se as aspirações literárias ou sentimentais do protagonista serão ou não realizadas, deixo a curiosidade para os futuros leitores do livro, mas o que vale é a homenagem a este grande brasileiro chamado Graciliano Ramos.

Para além de sua contribuição literária, Graciliano Ramos também foi defensor de posições políticas avançadas. Jovem prefeito em Palmeira dos Índios e com respeitada carreira no serviço público, o autor foi perseguido e preso pela ditadura do Estado Novo na década de 1930. Desta passagem pela prisão política, Graciliano nos legou o contundente relato póstumo “Memórias do Cárcere”. Anos depois ainda se filiaria ao Partido Comunista Brasileiro.

Em breves trechos, como os que eu destaco abaixo, evidenciam-se traços de sua literatura nua, crua e extremamente humana:

“Caminhamos em silêncio até o lugar onde existiu o cruzeiro verde, um cajueiro com dois galhos em forma de cruz, que a gente dos sítios próximos vinha adorar. Falei da multidão que ali encontrei uma tarde – mendigos, mulheres com filhos pendurados aos peitos, curiosos, espertalhões que se arvoravam em sacerdotes”

“Não ser selvagem! Que sou eu senão um selvagem, ligeiramente polido, com uma tênue camada de verniz por fora? Quatrocentos anos de civilização, outras raças, outros costumes. E eu disse que não sabia o que se passava na alma de um caeté! Provavelmente o que se passa na minha, com algumas diferenças. Um caeté de olhos azuis, que fala português ruim, sabe escrituração mercantil, lê jornais, ouve missas. É isto, um caeté. Estes desejos excessivos que desaparecem bruscamente... Esta inconstância que me faz doidejar em torno de um soneto incompleto, um artigo que se esquiva, um romance que não posso acabar...”

“(...) Mas no íntimo, um caeté. Um caeté descrente. Descrente? Engano. Não há ninguém mais crédulo que eu. E esta exaltação, quase veneração com que ouço falar em artistas que não conheço, filósofos que não sei se existiram!

Ateu! Não é verdade. Tenho passado a vida a criar deuses que morrem logo, ídolos que depois derrubo – uma estrela no céu, algumas mulheres na terra...”

2 comentários:

  1. Parabéns! Tornei-me seguidor do seu blog. Peço que também acesse o meu, deixe sugestões e seja um seguidor http://blogcidadaniaedemocracia.blogspot.com/

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  2. Deve ter sido uma agradável leitura nos aeroportos e entre reuniões cansativas. Abraço e sorte no Congresso!

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